Existência
Existência é a nuvem, em seu tênue vagar, Cheia de mistérios que de tudo se ri, Em sua brisa, o efêmero anúncio das coisas Que se desvelam no instante vivido. Da alegria ao trágico, basta um momento. O grito de espanto diante do desencanto Soa em sua melodia como uma canção perdida, Numa voz que se emudece ante o consumado. Assim, como a nuvem, a existência se expira. Num horizonte qualquer, o último abandono, De um desejo relegado à própria sina Eis o paradoxo que em tudo nos fascina.
Poesia
Poesia, como metáfora De fragmentos dispersos A realidade, como imagem De uma unidade perdida… Assim, o poeta se posta: Do fixo ao inerte, Transita seu mundo, Como se tudo, o nada fosse. Da paixão ardente, A arte gélida, Apenas um salto. Numa forma qualquer, Eis o tear de palavras De esperança e dor…
Do poeta
Do corpo, nasce o amor; Do amor, a fantasia; Da fantasia, o sonho; Do sonho, a angústia; Da angústia, a dor; Da dor, a poesia; Da poesia, a prosa; Da prosa, o poema; Do poema, o canto… E assim a vida acontece, Como quem viesse do acaso No descaso da morte…
Meu canto
Oi, morena dos dias de lá, Meus pensamentos pairam no ar. Oi, morena do lado de lá, Meus sentimentos cantam de cá. Deixei a viola, não posso cantar, Meus versos aqui não vou mais rimar. Sonho meu do lado de lá, Não posso na vida deixar de amar. Oh, morena, como a vida voa! Sem saber pra onde… O canto que faço, não é à toa Venha depressa me abraçar Saudade, morena, viola de espera Eis o compasso que me desespera Que saudade! Venha pra cá, Morena, do lado de lá.
Soneto à Vida
Sou a lua, o sol e as estrelas do firmamento. Gosto do tempo e de sentir seu cheiro Deleito-me pelo simples prazer de sentir; Não faço nada, senão apenas sentir. Sentir meu medo, ante o passado incerto, Respirar com meus pensamentos mitigados, Olhar com as vísceras as coisas da razão, Tocar com a imaginação as asas do tempo. A lua, o sol e as estrelas do firmamento São instantes da minha vida, apenas percebidos, Extensão somente do meu corpo projetado. Sinto o cheiro, ora doce, ora amargo, Não faço questão, pois sentir é consumir-se No sol, na lua, nas estrelas do firmamento.
Sonata à Amada
D`um olhar perdido, o incessante; D´uma pergunta qualquer, o encontro; Da surpresa interessante, o ousado; Do aceite hesitante, o momento. Da provocação, a palavra “safado”; Do hilariante, a espera excitante; Do sim delirante, o gesto ofegante; Das vísceras, o orgasmo extasiante. Dos toques suaves, a cumplicidade; Do olhar maroto, o desvelar discreto; Das coisas íntimas, o encanto. Assim, na morada do tempo, a vida acontece; Nas alcovas, o amor que se renova; Desse jeito próprio de ser, o amante.
Pensando em você
Pensar em você é sempre querer estar na espera, Sem saber do que. Pensar em você é estar na dor De uma lembrança muito sofrida. Pensar em você é querer saber Sobre o que não se pode ter. Pensar em você é desejar ser sapo-príncipe Na lagoa da vida. Pensar em você é sonhar ser olhos de saudade Na dor da quimera…
Soneto do Encanto
Vejo nos teus olhos O estranho calor dos meus íntimos desejos… Olho os teus cabelos E sinto neles a volúpia do teu amor. E das tuas entranhas, brota amiúde, O doce-amargo perfume dos teus beijos E aí meu corpo se desmancha, À meiga ternura dos teus encantos… E assim, cada imagem tua, oh mulher… Seduz-me numa saudade sem fim, E minha alma inquieta permanece, Querendo amar-te tão-somente. Amar-te sem medo, sem temor, Ao sabor de um instante qualquer, Com toda paixão de uma grande espera. Entregar-me todo a teus olhos, À paz ardente do teu corpo em brasa, Inspirando versos de uma canção sem fim.
Enigma
Escuta! Que fazes tu, Neste deserto insano, Ante o horizonte incerto… De um presente fugaz, Numa ausência sem fim… Dize-me, que fazes tu? Acaso buscas no errante caminho, O porto dos teus sonhos solitários? Oh! Alma inquieta… Que sofre o desatino das coisas Dize-me, que fazes tu? Ah!Quem dera fosse tudo presságio; Tu e a vida num novelo desfeito. E, nas cinzas do tempo, O eternamente vivido. Mas chora, chora, chora… Afinal, que fazes tu? Não, não. Não digas, não.
Soneto da Espera
Na meiga presença de sua imagem singela, Minha alma vagueia, calma e incerta. Meus passos são como a noite sem lua, Estonteantes se lançam, sem beira, nem eira. No suave perfume de seu olhar sereno, Minha alma se cega, oculta e obscura, Meus olhos padecem, como dia sem lua, Não vê, sente, tateando apenas caminha. No sorriso tristonho de sua face macia, Minha alma se cala, pensante e sofrida, De sonhos distantes, na ausência sentida. Presença e imagem de terna lembrança, Minha alma se quebra, perdida se fita, Na paz percebida de uma doce espera.